MATO – Internete e Fontes (VIII)   Leave a comment

FONTES DE MATO NO LIBER FIDEI (7)

Algumas observações que fiz relativamente ao documento 526 (ver posts 6 e 7) aquele em que se regista, de facto, a primeira referência escrita à freguesia de Mato, embora aí chamada de «S. Lourenço de Calvelo», aplicam-se também ao documento 546, aquele em que ela aparece com o nome de «S. Lourenço de Arcelos», e que nos dois posts anteriores apresentámos com transcrição em latim e uma sua versão em português.

No documento 546, o donatário/testamentário é o mesmo – a Sé de Braga. O mesmo é também o arcebispo que dirige a diocese bracarense- D. João Peculiar (1100?-1175).

O documento 526 inscreve-se no quadro das penitências e desagravos que os fiéis eram obrigados a praticar, por actos graves cometidos contra a Igreja e seus clérigos.

O documento 546, por sua vez, situa-se no âmbito das doações e testamentos feitos em troca de auxílio, protecção e até sustento, sem esquecer, como convinha, a salvação da própria alma e/ou dos parentes mais próximos.

É com este principal objectivo que Marinha Sesnandes doa e faz testamento da raiz todos os bens (com reserva do usufruto), «tanto eclesiásticos como seculares», que possui e por direito há-de possuir, nas freguesias da Feitosa e da Facha, bem como nas igrejas de Friastelas, Cabaços e Arcelos (Mato).

Que bens seriam esses? Relativamente aos da Feitosa e Facha, a doadora chama-lhes «herdades». Relativamente aos das igrejas de Friastelas, Cabaços e Arcelos, diz apenas «quicquid habeo», isto é, «o que tenho».

Sobre o que se pode entender, naquele tempo, por igreja, veja-se o que se disse no post 6.

A palavra herdade não tinha, no século XII, o significado actual. Hoje, por herdade, entende-se uma propriedade rústica, de grandes dimensões, «que inclui geralmente terras de semeadura, montados e um conjunto de casas, de tamanho variável, utilizadas para habitação ou para guardar alfaias agrícolas.» [Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, 2001, Lisboa: Verbo; II Vol., p. 1971]

Na Idade Média, porém, herdade tinha outro significado. Nos séculos X e XI, designava «a condição jurídica em que certos bens foram adquiridos, por testamento ou por transmissão legítima, a descendentes.» Ou seja, tratava-se dos bens adquiridos por herança. Com o tempo, porém, e porque a herança era constituída, essencialmente, por «bens fundiários», passou a significar «a propriedade rural, a herdade da linguagem de nossos dias», como explica A. H. de Oliveira Marques, no Dicionário de História de Portugal (Porto, Figueirinhas, vol. II, p. 437). E o historiador acrescenta:

«Neste sentido, [herdade] distinguia-se normalmente de villa [equivalente ao que hoje chamamos quinta], porque abrangia apenas parte dela; embora às vezes [herdade] fosse um conjunto heterogéneo de parcelas dispersas por várias villae. Da mesma forma, e equiparando-se com frequência ao casal, como unidade de exploração agrária, a herdade podia não ser mais do que uma sua fracção.»

Assim sendo, conclui-se que as herdades doadas por Marinha Sesnandes, em 1158, à Sé de Braga, seriam constituídas por parcelas de grandes propriedades rurais («villae», quintas), parcelas essas já recebidas e a receber por herança. Recorde-se que a doadora, segundo o documento, oferecia à Sé de Braga todas as herdades que tinha ou por direito deveria ter, tanto eclesiásticas como seculares, delas reservando, porém, o usufruto, enquanto fosse viva.

Convirá esclarecer o que eram as herdades eclesiásticas e seculares. Herdades eclesiásticas eram as que estavam adstritas às igrejas e/ou mosteiros locais e cujos rendimentos eram destinados ao sustento dos respectivos párocos e/ou monges. As seculares eram as outras, as que não estavam adstritas a essas igrejas e/ou mosteiros. Assim, os bens doados nas igrejas de Friastelas, Cabaços e Arcelos (Mato) seriam apenas eclesiásticos. Bens que, se fossem agrários, incluíam também os servos que os trabalhavam.

E Marinha Sesnandes, quem seria?

Não será fácil identificar completamente quem foi esta generosa e fiel da Sé de Braga. O documento 546 diz-nos que ela, além de estar «arrependida dos pecados», tinha bens nas freguesias de Feitosa, Facha, Friastelas, Cabaços e Arcelos (Mato), e que os doava à Sé de Braga, em troca de conselhos e auxílios, e para salvação da sua alma e dos seus pais.

Marinha Sesnandes encontra-se também no documento 497 (tomo II, pp. 245-247). Neste testamento, datado de 1131, a senhora doa, «pro anima sua», à Sé de Braga, dois casais em S. Miguel de Lordelo, ou seja, na Facha.

Um casal , segundo André Evangelista Marques (que estudou este tipo de propriedade rural do Entre-Douro-e-Lima, nos anos 906 a 1200), no Noroeste Peninsular, seria «predominantemente uma unidade familiar de povoamento e de exploração que articula, em torno de um núcleo habitacional, um conjunto de componentes produtivos muito variado (desde parcelas de cultivo até direitos de exploração de espaços incultos).» [Cf. http://www.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/MEDIEVALISTA4/medievalista-marques.htm]

Marinha Sesnandes não é, porém, a única doadora do documento 497. Nele encontra-se também (e em primeiro lugar) a doação, à mesma Sé, de Sesnando Ramires e sua mulher Justesenda Soares, de muitos bens na antiga Domez, hoje fregueisa da Feitosa.

Por que razão Marinha Sesnandes faz a doação dos seus casais da Facha, no mesmo documento em que Sesnando Ramires faz doação de bens que possui na Feitosa? Será que entre Sesnando e Marinha havia alguma relação de parentesco próximo, por exemplo, pai / filha? (Lembre-se que «Sesnandes» quer dizer filho de «Sesnando».)

Se filha de Sesnando Ramires, Marinha é irmã de Nuno. Este Sesnandes, na doação que faz, em 1169, à Sé de Braga, diz-se filho de Sesnando Ramires. (Cf. documento 506, tomo II, pp. 256-257)

Mas no documento 497, há ainda um outro Sesnando, referido imediatamente antes da doação de Marinha. Aí identifica-se um casal que foi dos filhos de Sesnando Carrega. Seria Marinha um desses filhos?

Ainda não me foi possível determinar, com precisão, quem foi esta Marinha Sesnandes, aquela senhora que, em 1158, doou à Sé de Braga, bens que tinha na «igreja», entre outras, de «S. Lourenço de Arcelos».

Se alguém, entretanto, me puder ajudar, o meu agradecimento, desde já. Mas, antes de terminar esta minha viagem / passatempo pelo Liber Fidei Sanctæ Bracanrensis Ecclesiæ, convém observar que quando se lê, nestes documentos, que os doadores os assinaram, pela(s) própria(s) mão(s), tal quer dizer que o fizeram apenas de cruz. Como se vê (e lê) em «propria manu ro + boro».

Os documentos que, no Liber Fidei,  se referem a Mato, embora com designações parcialmente diferentes, mostram que a freguesia já existia antes (muito antes, mesmo) de 1151. Mesmo que no documento (526) apareça designada por «ecclesia Sancti Laurentii de Calvelo». Designação esta que procurei explicar no post anterior.

Contrariamente, por isso, ao que se lê (continua a ler) nos sítios  (http://www.jf-mato.com/  e  http://digitarq.dgarq.gov.pt/default.aspx?page=regShow&searchMode=bs&ID=2968653), a «primeira referência conhecida a esta freguesia» não se acha «no documento 546 [datado de 1158] do “Liber Fidei”», mas sim no documento 526, datado de 1151. (O destaque a negrito é da minha responsabilidade.)

Ainda estamos a tempo de corrigir o erro e evitar que ele continue a espalhar-se.

Até breve!

Posted Novembro 16, 2010 by David F. Rodrigues in Uncategorized

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